domingo, 7 de junho de 2009

6- memória

As palavras vão surgindo, converso com a memória e ela me instiga e me faz escrever. Tudo vai evoluindo, nem eu mesma sei onde vou chegar. Ontem, comecei falando da minha infância e de repente estava falando sobre a velhice e a maturidade.

No dia seguinte, na minha leitura diária no café da manhã, mais uma coincidência ou acaso aconteceu. No Caderno de cultura do jornal da cafeteria, trazia uma entrevista com um autor Irlandês que eu não conhecia John Banville. E mais uma vez o título da matéria me chamou a atenção: ‘A aventura de crescer e envelhecer’.
E mais interessante ainda, John Banville fala que gosta de lembrar Baudelaire: “O gênio literário consiste na habilidade de concentrar a infância no futuro”. Para Banville, “a imaginação trabalha com a memória como um fogo na folha de papel: sempre ardendo”.
Banville não acredita em inspiração divina, para ele: “escritores são pessoas normais - talvez ligeiramente mais obcecadas”.

Talvez seja isso, eu uma pessoa ligeiramente normal, ando ultimamente obcecada por escrever um livro.
Também não acredito que o grande Deus perca tempo em me inspirar a escrever, mesmo porque, se Ele fizesse isso, eu entraria em transe e escreveria uma grande obra. Seria aclamada por todos os cantos do planeta, ganharia prêmios e honrarias. Mas talvez um anjo, um anjo rebelde esteja me inspirando a falar sobre a morte, a dor, o tempo e o amor. Ele me inspira à noite e ainda me comprova, levando-me ao encontro destas criaturas pensantes, poetas, vivos ou mortos, mas imortais nas palavras.

Encontro-me com Amós Oz e ele diz que há coisas invisíveis que são necessárias para guiar nossos sonhos e esperanças. E também nosso medo.
Penso que estas coisas invisíveis estão dentro de nós e escrever é torná-las visíveis, vivas.
Mas Borges me lembra que sou o mais comum dos mortais e rebate que a poesia, tal ou qual verso feliz não pode envaidecer-nos, porque é dom do acaso ou do espírito; só os erros são nossos.
Não sei se o que eu escrevo são versos ou somente erros, mas, está sendo angustiantemente prazeroso. E para escrever preciso crer em algo além dessa realidade presumível.
No meu ultimo encontro com Fernando Pessoa, um pouco antes de escrever este capítulo ele foi muito sábio ao me dizer que “Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o ceticismo não tem força para desconfiar. O tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade”.

- Lembro-me exatamente como ela se vestia, tinha uma blusa de lurex, saia palito, um sapato scarpin e meia de seda. Ela pode ter trocado de roupa milhares de vezes, mas é este conjunto que ficou na minha memória. Era da classe média, eram anos 60, se vestia como Jack e não como Chanel.
- Você já me falou desta blusa de lurex várias vezes.
- O brilho me fascinava, brilho nos olhos de criança é como caleidoscópio.
- O que mais você lembra?
- Lembro-me de uma mesa de centro com pés romanos e pátina dourada. O tampo era de um mármore branco grego. Ela era a própria descrição da mesa, a beleza grega e o porte romano.
- O que mais?
- Ela tinha uma casa de fachada azul com um belo jardim, um marido e três filhos.
- Ela era feliz?
- Não me lembro de algum dia na minha vida tê-la visto triste. Estava sempre feliz. Adorava comprar cristais e cada vez que as crianças quebravam, ela não reclamava e no dia seguinte chegava com mais cristais.
- Ela mudou? Continua assim?
- Um dia, a vida lhe tirou a casa, depois os sapatos e os vestidos. Os cristais quebraram. Restou-lhe o marido, os filhos e o jardim.
- E ela? Perdeu a ilusão?
- Perdeu todas as ilusões, mas restou-lhe a doçura.
- Você se parece com ela?
- Não sei, não tive filhos e nem um marido romântico. E também nunca tive um jardim para cuidar. Na falta de cristais me contento com vidros. Mas herdei-lhe todas as ilusões.

por rosilene

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