quinta-feira, 23 de abril de 2009

3- passado

Leio novamente Carlos Fuentes, escreve que o passado ocorre hoje, quando recordamos e o futuro também ocorre hoje, quando desejamos.
Então o tempo seria sempre o presente, para mim faz sentido, pois se não houver o futuro não existirá o tempo e se não existir a memória o tempo não existiu.
Há muito eu não desejo. Falo de desejo apaixonado, daqueles que a gente fica esperando acontecer, fica torcendo, contando os dias. Talvez não tenha mais tempo de ficar contando o tempo.

- Ela chorou a noite inteira. Parecia que tudo seria diferente do que havia sonhado para ela.
- E ela não fez nada?
- Claro que fez, pediu, implorou, disse que era seu sonho, o quanto era importante, o quanto desejou e desejava.
- E nada? Não voltaram atrás?
- Nada. O pai era severo e a queria perto dele.
- Por que não fugiu? Por que não largou tudo e foi atrás do seu sonho?
- Respeito, medo...
- E ficou assim? Resignada?
- Ela gritou, o culpou pelo futuro infeliz que viria a ter. Com a certeza do desejo certo.
- E o que aconteceu depois?
- Esperou, mas uma espera de luta, todos os dias ela pedia, e gritava e esperneava, implorava e sonhava. Um dia, tarde da noite ele a chamou e cedeu, o suposto remorso do futuro o fez voltar atrás, e ela se foi e nunca mais voltou.
- E quem estava certo?
- O desejo.

permitindo ao tempo que nos leve
ao sabor dos sonhos que mantemos.

parte de um poema de meu pai


por rosilene fontes

segunda-feira, 13 de abril de 2009

2- tempo

Pode parecer para alguns, mais um livro de citações. Não me importo, quando uma palavra ou frase me toca, na falta de alguém para ouvir, escrevo. Não tendo para quem falar, falo para minha memória que fica o tempo todo me questionando, conversando comigo.

Passei a minha infância e adolescência ao lado de um escritor, meu pai. Via-o sentado olhando horas a máquina de escrever, não entendia muito aquela angústia para logo após ver o seu rosto brilhar de contentamento ao ler uma poesia para minha mãe. E pensando bem ele dribla a morte cada vez que escreve uma poesia para ela.

Carlos Fuentes escreve que a Morte é inimiga e, mais do que inimiga, rival, quando nos arrebata um ser amado. Pensando na poesia do meu pai e no seu amor, ele vence a morte a cada momento que ama.
Também não quero escrever um livro sobre a Morte, a assustadora morte. Tenho pensado muito na perda e em como lidar com ela. Talvez o medo maior seja nos perdermos a nós mesmos. Este tempo que passa e nos arrasta junto. Aquele amor que nos faz sofrer e insiste em nos matar. Mas, é o mesmo tempo que nos arrasta que nos faz esquecer. Será que o tempo é a morte? Mas fomos nós humanos que inventamos o tempo, será que também inventamos a morte?
Se nós, os ocidentais, tivéssemos sido preparados para morte, talvez a vida fosse melhor. Daríamos menos importância às coisas que não têm importância e daríamos mais valor ao tempo. O que é o tempo afinal? Se ele termina, é a morte.
Se nós entendêssemos a morte, honraríamos mais a vida. Ando falando tanto na morte por amar a vida e por sentir que o tempo está passando tão depressa que não mais recordo das coisas e ando sem desejos.
Há uma passagem sobre o tempo em um livro que gosto muito ‘Esculpir o Tempo’ do cineasta russo Tarkovski, em que ele diz que o tempo e a memória são como os dois lados de uma moeda e que sem o tempo a memória também não pode existir.

- Não me lembro mais dela, a vida passou.
- Dela quem? A vida?
- Não, da menina.
- Qual menina?
- Achei uma foto outro dia, uma foto bem pequena. Mandei digitalizar e aumentei até o limite do foco. Na foto ela devia estar com um aninho, está de fralda, tem a mãozinha esquerda apoiada em uma árvore e a mão direita livre e segura. Seu rosto, seu olhar fitando a câmera, naquela idade, parece que já sabia das coisas.
- De quando é esta foto, quando foi isso?
- Há quarenta anos, presumo.
- E qual foi a ultima vez que você viu a menina?
- Não me lembro quando e onde a deixei.
- E por que não a procura?
- Não tenho tempo.
- Para encontrá-la você tem que lembrar quando e onde a deixou.
- Não consigo lembrar. Teria que parar um tempo para pensar.
- Como era esta menina com 1 ano de idade?
- Não sei nada dela nesta época da foto. Nesta época eu ainda não a conhecia.
- Alguém poderia lhe dizer como ela era?
- Talvez.
- E quando você a conheceu?
- Não me lembro bem, eu tenho uma péssima memória.
- Volte no tempo, procure um tempo para isso.


por rosilene fontes

domingo, 12 de abril de 2009

1- morte

Olhei aquele vaso quebrado e pensei, não faz falta. Eu que sou tão apegada aos objetos e as formas descubro uma boa maneira de lidar com a morte, não nos apegarmos às coisas.
Nesse momento, não sei por que, pensei: escrever um livro seria como driblar a morte. E por que havia pensado na morte? Também não sei, talvez “dom do acaso ou do espírito”, parafraseando Borges. Mas, pensando bem, enquanto eu estiver escrevendo, posso dizer ‘estou viva’.
E este foi o meu primeiro parágrafo tentando escrever um livro.


Fui deitar, peguei o livro: “Histórias de cronópios e de famas” de Julio Cortázar. E no início do livro, a frase:
“Numa aldeia da Escócia vendem-se livros com uma página em branco perdida em algum lugar do volume. Se o leitor desembocar nessa página ao soarem às três da tarde, morre.”

Medo e morte, eu havia acabado de escrever sobre isso, sobre a maneira de driblar a morte. Mas a página em branco nos mete medo, sentimo-nos incapazes de escrever, mais ainda quando nem somos escritores. Pensei sobre isso e dormi.
O dia passou, o trabalho vive e já não mais existo. Não me lembrava nem do livro e nem da tentativa em escrevê-lo. Mas, na manhã seguinte, outro escritor me despertou. A coincidência ou sincronia que se seguiu me levou a estar aqui agora escrevendo.

Tirei dos meus dias o hábito de ler jornais, a vida já é demasiadamente pesada para eu querer saber das coisas ruins. Depois que passei a ser alienada das más notícias, meu humor, minha paciência e minha tolerância mudaram para melhor. Mas todas as manhãs, tomo café, acompanhada de um caderno de cultura, aquele que tiver disponível na cafeteria. E abrindo a primeira página do “Caderno 2”, li uma entrevista com o escritor Amós Oz. O título do livro já me chamou a atenção, “E a História Começa” e o comentário do jornalista mais ainda:
“trata-se de um saboroso e inteligente passeio pelo labirinto da inspiração. Oz se apóia em dez escritores distintos para desvendar a estranha e sedutora forma pelas quais diferentes autores iniciaram suas obras... A verdade é que a medonha experiência de sentar-se diante de uma página em branco assombra qualquer autor, independente de seu talento”.

Lembrei-me do que havia pensado sobre a vontade de querer escrever: “Porque sentimos necessidade de escrever um livro? Talvez os escritores possam me responder”. Mas o que ocorria era o contrário, os escritores estavam vindo até mim. Será que devo parar por aqui? Devo continuar driblando a morte, o medo? Devo continuar tentando? Veremos, nem eu mesma sei.
A noite peguei outro livro de Cortazar, Diário de Andrés Fava, com a orelha do livro marcando uma página qualquer e que, por brincadeira, abri para ver se ele tinha mais alguma coisa a me dizer e para minha surpresa li:
“Sei o quanto sofro enquanto escrevo, cada frase corroborando o imperfeito e o inútil da anterior; esse cotejo terrível com a idéia que espera (ora, sou eu quem espera!) sua atualização.” Estava começando a sofrer com esta idéia, assim como Cortazar, um sofrimento de gozo. E pensei, devo continuar, vamos ver aonde vai dar.

por rosilene fontes