segunda-feira, 22 de junho de 2009

9- conselho

Sinto a cada dia uma vontade enorme de escrever, nunca persisti em algo por tanto tempo. Tenho meus momentos de inspiração para a pintura e estes momentos vêm e vão e eu os respeito. Mas escrever está sendo diferente, talvez por ser algo novo para mim e de descobertas.
Li outro dia algo muito interessante, de Humberto de Campos: “A lata de lixo é, na verdade, o resumo diurno de cada família. É ela quem diz, nas espinhas de peixe e nas cascas de ovos, os pratos que houve à mesa. É ela quem informa se, lá dentro na sala de jantar, se toma vinho ou cerveja, água mineral ou água da torneira. É ela que denuncia, com pedaços de jornal, as tendências políticas e sociais do dono da casa e, com as caixas vazias, os remédios que tomam e, conseqüentemente, a saúde dos moradores do prédio. Cada lata de lixo, é, em suma, a crônica doméstica de uma família, deixada à noite à porta da rua”.

Meu pai diz que escrever é uma ‘catarse’, mas nos liberta. Estou vivendo esta purgação, limpando a casa, jogando no lixo o que não presta, até mesmo o que presta e não preciso mais. Estou me libertando. Hoje a noite, mais uma “crônica doméstica” será jogada no lixo, amanhã, quem sabe, alguém catará e talvez sirva, dê para aproveitar ou seja incinerada, vire cinzas e o vento se encarregará de espalhar crônicas invisíveis pelo mundo.

O engraçado é que continuo tendo encontros com o acaso. Os escritores estão me perseguindo. Caiu na minha mão um livrinho curioso, olhei a capa, o título e o autor que já tinha ouvido falar e nunca havia lido, olhei e comprei: “Cartas a um jovem poeta” de Rilke.
E ele, Rilke, me revela: “Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever, examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos da sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto, acima de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: sou mesmo forçado a escrever?”.
- Eu respondi, antes mesmo de continuar a leitura: Sou.
E em seguida leio:
- “Então construa sua vida de acordo com essa necessidade... Não escreva poesias de amor...relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza- relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade”.
- Mas é isso que estou fazendo, mas tenho tão pouco para contar, minha vida é tão simples, parece-me tão pobre. A cada frase lida, pensava e respondia a mim mesma, mas Rilke parecia ouvir-me e responder-me:
- “Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente”.
Entrei nesse universo e disse a mim mesma: - tenho lembrado e escrito coisas esquecidas da infância...Rilke estava me ouvindo, agora tive a certeza porque ele prosseguiu:
- “Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas desse longínquo passado”.
-Uma ultima pergunta Sr Rilke, eu sempre faço esta pergunta: Devo continuar?
- “Não lhe posso dar outro conselho fora este: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha a significar que é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite o destino e carregue com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou. E se renunciar a isto, mesmo assim, o exame de consciência que lhe peço, não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios”.
- Obrigada, Sr Rilke. Boa noite!

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