quinta-feira, 2 de julho de 2009

11- destino

- É coisa do destino.
- Do que você está falando?
- Da vida, começo a pensar que já está traçada, não temos escapatórias.
- A religião fala do livre arbítrio, sendo assim, você pode alterar o rumo da sua vida.
- Não sei, depois de todos esses anos começo a pensar que até o importuno foi oportuno, que até o imprevisto foi previsto. Não dá para entender porque certas coisas acontecem,
ou melhor, não dá para entender por que certas coisas não acontecem.
- É mesmo, quando parece que tudo está caminhando no curso normal e o objetivo será alcançado, do nada muda.
- É o destino, não é possível, só pode ser o destino.
- Calma, pense bem, será que você não quer enxergar onde foi que errou e coloca a culpa no destino? Tudo que fazemos tem um efeito, a lei da causa e efeito.
- Durante muito tempo achei que era isso, ah, àquela velha frase “Nada é por acaso”. Mas as coisas estão se tornando cada vez mais difíceis, desencontros, não sei... Parece que algo não deixa acontecer. Por que não aceitar o acaso? Por que não deixamos a natureza agir?
- O que de fato aconteceu?
- E por que haveria de acontecer algo? Estou assim é porque nada aconteceu.
- Não é o acaso este seu encontro com todos estes escritores? Olhe o que acabo de ler: “Negue-me tudo a sorte, menos vê-la, que eu, estóico sem dureza, na sentença gravada do destino. Quero gozar as letras”, disse Fernando Pessoa.
É hoje o seu prazer, onde você não se sente só, escrevendo.
- É a maneira que eu encontrei de encontrar-me, de entender-me e quem sabe assim, encontrar o outro.
- Ou talvez não o encontre, mas encontre “os outros”.
- Pode ser, mas como seria bom encontrar-me no outro.
- Amós Oz fala que é difícil viver sem viver o ‘outro’, muitas vezes, é difícil viver com o ‘outro’, mas é terrível viver sem ele.


Volto àquela idéia do homem pela metade à procura da outra metade...

- Sabato me revela que foram os tempos modernos que aniquilaram filosoficamente o corpo. Até os platônicos o excluíram. E isso, entre outras coisas acentuou nossa solidão. Ainda bem que estou resgatando-o.
- Conseguiram então dividir o homem em dois, corpo e espírito. Por isso essa procura incessante pela outra metade; que é senão, a procura por essa unidade, “corpo e alma”. “Enquanto corpo, somos perecíveis e relativos; e enquanto espírito, participamos do absoluto e da eternidade”. Diz Sabato.
- A arte pode ser um instrumento para resgatar esta unidade.
- Se a vida nos presenteia com uma série de caminhos e temos que escolher um único caminho que nem sabemos onde vamos chegar, será que esta escolha já é predita e somos direcionados a ela? Será que fazemos da nossa vida um romance no qual nós somos o protagonista e criamos nossa própria história? O destino é o nosso próprio romance que nós mesmos criamos?
- Então, que façamos da vida um eterno romance, de crises, de angústias, mas também de alegrias, de ilusões. Sentir com o corpo inteiro é manter a alma viva.
- Por que não deixemos a natureza agir? Você perguntou. Mas para isso, comecemos então por nos despirmos de preconceitos. E começar por uma análise de nossas próprias atitudes.
- É um difícil começo.
- Em “As cidades invisíveis” de Italo Calvino, existe uma cidade chamada Zora que por ser obrigada a ficar imutável e imóvel para facilitar a memorização, ao contrário, foi esquecida pelo mundo.
Este é o segredo, aceitarmos todas as mudanças em nossas vidas que sem elas, boas ou más, nós não cresceríamos.
- Acredita na felicidade?
- Claro que sim, sou feliz em vários momentos da vida.
- Você diz Sou ao invés de Fui. Por que conjuga no presente algo que nem sabemos que está por vir?
- Porque a vida é de momentos e se não fosse a infelicidade nunca saberia o que é a verdadeira felicidade. Reconheço na vida as coisas que me deixam feliz e vou à procura delas.
- Você me fez lembrar de um momento infeliz feliz.
- Como assim?
- Estava ouvindo um tango de Piazzolla, uma música triste. Não tinha ninguém na cabeça para pensar, estava em um momento da vida só. Ouvindo àquela música comecei a me imaginar dançando com um grande amor e me deu uma saudade enorme dele, um homem que nem sequer existia. Naquele instante me senti apaixonada. Louco isso, não?!
- Aquela música triste e romântica te levou para um sentimento que você já havia passado e foi bom. Você conseguiu sentir com o corpo inteiro, corpo e alma.
- Talvez seja este o segredo, sentir a vida mágica, com poesia.
- É, a vida é feita de momentos... Que podem ser momentos ao acaso ou não.

2 comentários:

  1. Sabe Rosilene... é bem difícil em essência, mudarmos por completo. Eu mesmo aqui em casa ou no meu ateliê, vivo tentando contornar um núcleo duro que existe em qualquer uma de minhas ações... das mais leves as mais brutas, seja na família ou entre os instrumentos de corte. Nunca li o livro do Ítalo Calvino - Cidades Invisíveis, mas tenho muita curiosidade. Um livro que eu adorei e que agora, nas "férias" tenho foleado novamente é o Nome da Rosa, do Umberto Eco.
    Acho incrível a metáfora do LABIRINTO em uma biblioteca.

    Forte abraço,
    Ulysses.

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  2. Ulysses,
    sinto que muita coisa em mim mudou com o passar dos anos e sinto a cada dia mais mudança. Só nao sei dizer se foram boas ou não, era bom quando não sabia muito das coisas da vida. Hoje me sinto como a cidade Zaira (cidades invisíveis), ela não conta o seu passado, ela contém como as linhas da mão, escrito nos angulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.
    Precisa ler este livro.
    O Nome da Rosa também gostei muito, curiosa é a passagem das mortes pelo livro envenenado, é uma das histórias As Mil e Uma Noites que Sherazade contava. Gosto da idéia do Labirinto também.
    grande abraço

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