domingo, 12 de abril de 2009

1- morte

Olhei aquele vaso quebrado e pensei, não faz falta. Eu que sou tão apegada aos objetos e as formas descubro uma boa maneira de lidar com a morte, não nos apegarmos às coisas.
Nesse momento, não sei por que, pensei: escrever um livro seria como driblar a morte. E por que havia pensado na morte? Também não sei, talvez “dom do acaso ou do espírito”, parafraseando Borges. Mas, pensando bem, enquanto eu estiver escrevendo, posso dizer ‘estou viva’.
E este foi o meu primeiro parágrafo tentando escrever um livro.


Fui deitar, peguei o livro: “Histórias de cronópios e de famas” de Julio Cortázar. E no início do livro, a frase:
“Numa aldeia da Escócia vendem-se livros com uma página em branco perdida em algum lugar do volume. Se o leitor desembocar nessa página ao soarem às três da tarde, morre.”

Medo e morte, eu havia acabado de escrever sobre isso, sobre a maneira de driblar a morte. Mas a página em branco nos mete medo, sentimo-nos incapazes de escrever, mais ainda quando nem somos escritores. Pensei sobre isso e dormi.
O dia passou, o trabalho vive e já não mais existo. Não me lembrava nem do livro e nem da tentativa em escrevê-lo. Mas, na manhã seguinte, outro escritor me despertou. A coincidência ou sincronia que se seguiu me levou a estar aqui agora escrevendo.

Tirei dos meus dias o hábito de ler jornais, a vida já é demasiadamente pesada para eu querer saber das coisas ruins. Depois que passei a ser alienada das más notícias, meu humor, minha paciência e minha tolerância mudaram para melhor. Mas todas as manhãs, tomo café, acompanhada de um caderno de cultura, aquele que tiver disponível na cafeteria. E abrindo a primeira página do “Caderno 2”, li uma entrevista com o escritor Amós Oz. O título do livro já me chamou a atenção, “E a História Começa” e o comentário do jornalista mais ainda:
“trata-se de um saboroso e inteligente passeio pelo labirinto da inspiração. Oz se apóia em dez escritores distintos para desvendar a estranha e sedutora forma pelas quais diferentes autores iniciaram suas obras... A verdade é que a medonha experiência de sentar-se diante de uma página em branco assombra qualquer autor, independente de seu talento”.

Lembrei-me do que havia pensado sobre a vontade de querer escrever: “Porque sentimos necessidade de escrever um livro? Talvez os escritores possam me responder”. Mas o que ocorria era o contrário, os escritores estavam vindo até mim. Será que devo parar por aqui? Devo continuar driblando a morte, o medo? Devo continuar tentando? Veremos, nem eu mesma sei.
A noite peguei outro livro de Cortazar, Diário de Andrés Fava, com a orelha do livro marcando uma página qualquer e que, por brincadeira, abri para ver se ele tinha mais alguma coisa a me dizer e para minha surpresa li:
“Sei o quanto sofro enquanto escrevo, cada frase corroborando o imperfeito e o inútil da anterior; esse cotejo terrível com a idéia que espera (ora, sou eu quem espera!) sua atualização.” Estava começando a sofrer com esta idéia, assim como Cortazar, um sofrimento de gozo. E pensei, devo continuar, vamos ver aonde vai dar.

por rosilene fontes

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