segunda-feira, 13 de abril de 2009

2- tempo

Pode parecer para alguns, mais um livro de citações. Não me importo, quando uma palavra ou frase me toca, na falta de alguém para ouvir, escrevo. Não tendo para quem falar, falo para minha memória que fica o tempo todo me questionando, conversando comigo.

Passei a minha infância e adolescência ao lado de um escritor, meu pai. Via-o sentado olhando horas a máquina de escrever, não entendia muito aquela angústia para logo após ver o seu rosto brilhar de contentamento ao ler uma poesia para minha mãe. E pensando bem ele dribla a morte cada vez que escreve uma poesia para ela.

Carlos Fuentes escreve que a Morte é inimiga e, mais do que inimiga, rival, quando nos arrebata um ser amado. Pensando na poesia do meu pai e no seu amor, ele vence a morte a cada momento que ama.
Também não quero escrever um livro sobre a Morte, a assustadora morte. Tenho pensado muito na perda e em como lidar com ela. Talvez o medo maior seja nos perdermos a nós mesmos. Este tempo que passa e nos arrasta junto. Aquele amor que nos faz sofrer e insiste em nos matar. Mas, é o mesmo tempo que nos arrasta que nos faz esquecer. Será que o tempo é a morte? Mas fomos nós humanos que inventamos o tempo, será que também inventamos a morte?
Se nós, os ocidentais, tivéssemos sido preparados para morte, talvez a vida fosse melhor. Daríamos menos importância às coisas que não têm importância e daríamos mais valor ao tempo. O que é o tempo afinal? Se ele termina, é a morte.
Se nós entendêssemos a morte, honraríamos mais a vida. Ando falando tanto na morte por amar a vida e por sentir que o tempo está passando tão depressa que não mais recordo das coisas e ando sem desejos.
Há uma passagem sobre o tempo em um livro que gosto muito ‘Esculpir o Tempo’ do cineasta russo Tarkovski, em que ele diz que o tempo e a memória são como os dois lados de uma moeda e que sem o tempo a memória também não pode existir.

- Não me lembro mais dela, a vida passou.
- Dela quem? A vida?
- Não, da menina.
- Qual menina?
- Achei uma foto outro dia, uma foto bem pequena. Mandei digitalizar e aumentei até o limite do foco. Na foto ela devia estar com um aninho, está de fralda, tem a mãozinha esquerda apoiada em uma árvore e a mão direita livre e segura. Seu rosto, seu olhar fitando a câmera, naquela idade, parece que já sabia das coisas.
- De quando é esta foto, quando foi isso?
- Há quarenta anos, presumo.
- E qual foi a ultima vez que você viu a menina?
- Não me lembro quando e onde a deixei.
- E por que não a procura?
- Não tenho tempo.
- Para encontrá-la você tem que lembrar quando e onde a deixou.
- Não consigo lembrar. Teria que parar um tempo para pensar.
- Como era esta menina com 1 ano de idade?
- Não sei nada dela nesta época da foto. Nesta época eu ainda não a conhecia.
- Alguém poderia lhe dizer como ela era?
- Talvez.
- E quando você a conheceu?
- Não me lembro bem, eu tenho uma péssima memória.
- Volte no tempo, procure um tempo para isso.


por rosilene fontes

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