quarta-feira, 13 de maio de 2009

4- medo

Há muito tempo, achei um cartão em uma papelaria, daqueles feito à mão. O que havia me chamado atenção era o desenho abstrato e colorido. A cor me fascina, gosto de cor, desenhos e fotos coloridas, mas uma frase abaixo dele me acompanhou desde então, por toda minha vida:

“Nem tudo está perdido, quando se tem o poder de proclamar que tudo está perdido e há de se começar de novo”. Estava escrito entre parênteses ser de Cortazar (desconheço essa veracidade).
Lembro-me dela, a cada momento em que parece estar tudo perdido. Nunca somos os mesmos nem mesmo depois de 6 a 8 horas de sono. Um segundo depois poderia ter salvado muitos suicidas. Esta é a importância do tempo.

Outra frase que me acompanhou durante toda minha vida, também não a tirei de nenhum livro, encontrei-a numa destas revistas que lemos numa ‘estação’ qualquer: "Par ma paciance, j’ai perdu ma vie”. Dizia que era um provérbio francês. Descobri, tempos depois, que o poeta Arthur Rimbaud tinha uma frase parecida. Se é uma frase do poeta ou um provérbio francês, pouco me importa, mas a frase mexeu comigo:
Nas duas frases, (de Cortazar e Rimbaud), está implícito o tempo. Na primeira o tempo me salva, e na segunda, me alerta para não contar muito com ele.

- Ela teve medo.
- Medo de quê?
- Dormiu bem a noite inteira, como todas as noites. Não precisava nem ler para dormir. Como ela lamentava de não conseguir ler pelo menos um capítulo, o sono chegava antes mesmo de pegar um livro.
- Eu sei bem o que é isso. Fico horas olhando para o teto, levanto, tomo água, volto a deitar, pego um livro, clareia o dia... Ela deveria agradecer a Deus por não ter insônia. Mas o que aconteceu?
- A dor a acordou, era muito cedo e de repente a dor a despertou daquele sono.
- Como assim?
- Uma dor tão forte que ela não tinha posição, não tinha forças para levantar, a pressão abaixou, suava frio. Ela sabia que era a cólica, bastava um remédio para que a dor parasse, mas, não tinha forças.
- Ela não pediu ajuda?
- Morava sozinha e o telefone estava na sala, ela não tinha condições de levantar.
- O que ela fez?
- Começou a orar, Ave Maria, Pai Nosso, de maneira contínua, sem parar, sem pausa, e isto ajudava inspirar e expirar o ar. Ela comparou à dor de um parto sem nunca ter vivido um. Cada segundo de dor era um tempo enorme. Sabia que não morreria de cólica, mas aquela dor era a própria morte.
- E aí?
- Com muito esforço levantou, foi até o banheiro, sentou no vaso sanitário, abaixou a cabeça e gemia, lamentava de dor. Sentiu algo quente e sólido sair, depois um pouco mais fluído e o sangue começou a jorrar. O suor agora quente, a fez jogar para longe o lençol que a cobria. Então, aliviada e cansada, foi para cama e voltou a dormir.

Pensando bem, não temo a Morte, temo a Dor. Ambas não marcam a hora de chegar, chegam de surpresa. Pior é a dor que não tem hora de partida.
A dor física, a dor do coração, a dor da perda.
Roland Barthes nos fala dessa dor da perda do amado, “A imagem do outro – à qual estava colado, da qual vivia – não existe mais; ora é uma catástrofe que parece me afastar para sempre, ora é uma felicidade excessiva que me faz recuperá-la; de qualquer modo, separado ou dissolvido, não sou recolhido em lugar nenhum; diante de mim, nem eu, nem você, nem um morto, nada mais a quem falar”.

A morte nos recolhe para algum lugar, não sabemos onde, a morte é misteriosa. A dor nos mutila, nos persegue. Pode durar a vida inteira como também pode nos transformar.
Queira a Deus que me transforme sempre...

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